Por: David Otavio Rocha da Cruz
Era comum durante o século XIX que a cobrança de impostos que se assemelhavam ao que hoje é o chamado de Impostos sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), esse imposto era denominado de Imposto da Décima Urbana, um tributo que consistia no pagamento anual de dez por cento dos rendimentos líquidos dos prédios. Em Xique-Xique também era comum o pagamento desse imposto, porém devido às circunstâncias do ano de 1838, a cidade ficou isenta, devido ao tamanho do prejuízo sofrido.
A cidade de Xique-Xique/BA tem um grande histórico de danos por enchentes, isso se deve ao fato de se localizar as margens de um dos principais rios do Brasil, o grande Rio São Francisco. Em 1979, aconteceu uma grande cheia do Rio São Francisco, a cidade de Xique-Xique teve seu centro comercial quase que totalmente inundado, uma das praças centrais, próxima à igreja matriz da cidade, a Praça Dom Máximo, foi completamente coberta pelas águas dessa grande enchente. Mais recentemente em 2022, mais um período de cheias ameaçou cidade e os seus povoados, ao todo, cerca de 1430 famílias foram afetadas e cerca de 550 famílias ficaram desabrigadas, tudo isso nos mais de quarenta povoados do município, tudo isso levou a população a depender da intervenção do poder público para a distribuição de lonas e para abrigo daquelas famílias que ficaram sem ter para onde ir.
O que pouco se sabe é que ainda no século XIX os habitantes dessa localidade já sofriam com a ocorrência de cheias, isso fica claro quando em 1838, por decreto do governo provincial, a até então Vila de “Chique-Chique” ficou isenta dos impostos da décima urbana, e essa decisão foi estendida por três anos. Tudo isso em decorrência de uma grande cheia do Rio São Francisco que deixou grandes ruínas na localidade.
É impossível tratar da história de Xique-Xique sem falar no Rio São Francisco, esse grande responsável por períodos difíceis de enchentes e perdas, como também um facilitador da vida dos ribeirinhos que sempre puderam viajar grandes distâncias por suas águas, além de ser um fator que promove fortes influências na economia local. Essa relação entre Xique-Xique e o ‘‘Velho-Chico”, como carinhosamente é chamado por seus habitantes, é longa e regada por altos e baixos, a relação de uma cidade ribeirinha e seu “Nilo Sertanejo”.
Fonte Histórica:
Correio Mercantil (BA). 28 de agosto de 1838. Arquivo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Link: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=186244&Pesq=Chique%20Chique&pagfis=439
Referências:
CHAVES, Juarez, Enchente de 1979 em Xique-Xique (BA): PRAÇA D. MÁXIMO. Blog Xique-Xique, 2014. Disponível em:
https://xiquexiquense.blogspot.com/2014/10/enchente-de-1979-em-xique-xique-ba.html
G1. Mais de 1,4 mil famílias são afetadas pela cheia do Rio São Francisco, em Xique-Xique, 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2022/01/25/mais-de-14-mil-familias-sao-afetadas-pela-cheia-do-rio-sao-francisco-em-xique-xique.ghtml
Xique- Xique e a Religião
Por: David Otavio Rocha da Cruz
O desenvolvimento do Brasil é acompanhado diretamente pelas práticas religiosas, em especial a crença na fé católica, religião que chega ao Brasil juntamente com a expedição de Pedro Alvares Cabral em 1500”. Já com os jesuítas desembarcando no país no ano de 1549, a igreja católica prossegue com a expansão no novo território e participa ativamente da formação de cidades importantes como a atual São Paulo. Para além dos jesuítas, participaram também da expansão católica na até então colônia de Portugal, as companhias dos Franciscanos e das Carmelitas, grupos estes que vieram às novas terras a fim de evangelizar os nativos e estabelecer o catolicismo como novo credo local.
Tendo essa religião se estabelecido como a principal do Brasil, fazia-se necessária a presença de sacerdotes em todas as províncias e vilas, realidade evidenciada já no século XIX, no interior da Bahia, na “Villa de Chique Chique”. Em 1849, um remetente não identificado desta vila em questão, solicita publicamente ao arcebispo, a presença de um sacerdote através do jornal Correio Mercantil. Vejamos o trecho seguinte: “[…] em que pede providências, para que os habitantes desta mesma Villa não soffrão por falta de sacerdote, que lhe administre os socorros espirituaes.”.
A partir disso podemos concluir as fortes ligações que não só o nosso país em seu desenvolvimento tem com a religião católica, mas como a cidade de Xique-Xique, que dentre todos os seus aspectos socioculturais valorizava a presença de representantes da fé cristã, tratando a questão até em certo nível de temor quando se fala em ‘’administração dos socorros espirituais’’, passando uma ideia de insegurança e vulnerabilidade em casos de ausência do seu sacerdote, o que deixa clara a relação de intimidade, respeito e valorização da igreja naquela pequena sociedade que se formava na primeira metade do século XIX.
Fonte:
Correio Mercantil (BA). 17 de fevereiro de 1849. Arquivo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Link:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=186244&pesq=Chique%20Chique&pasta=ano%20183&hf=memoria.bn.br&pagfis=8938
Referências
XAVIER, Érico. Catolicismo: Missão e Influência no Brasil e no Continente Latino-Americano. Monumenta – Revista Científica Multidisciplinar, UniBF, v. 5, n.1, p.56-66, dezembro 2022.
Por: David Otavio Rocha da Cruz
Em 1878 iria acontecer na Villa de Chique-Chique, no dia 20 de abril, as eleições para senador. Naquele período os votos eram feitos na igreja local. Havia dois grupos antagônicos na Villa, eram os Marrões e os Pedras, ambos queriam impedir a todo o custo que o lado oposto participasse das eleições, e dessa forma se desenrolou um grande conflito que repercutiu tanto no centro da Villa, quanto nas ilhas mais próximas.
Desde 6 de Abril de 1878, aconteciam embates na Villa de Chique-Chique, o grupo dos Marrões buscava invadir a igreja para impedir que o grupo dos “Pedras” concorresse as eleições ou que também tomassem posse da igreja com a mesma motivação que eles. Sabendo disso o líder do grupo dos “Pedras”, o Bacharel José Alfredo Machado, ordenou que eles agissem. Chegaram então em Xique-Xique cerca de trinta homens, que eram ladrões e assassinos vindos de Santo Inácio, arrombaram a lateral da igreja tomando posse da mesma e ficaram também nas casas de pessoas simpatizantes do seu grupo.
Diante das divergências entre os Marrões e os Pedras, na noite do dia 13 de abril começou de fato a troca de tiro entre os dois grupos, ainda nessa noite o soldado Firmino da Purificação foi baleado na perna e não conseguiu ser socorrido devido à grande agitação na localidade, conseguiram socorrê-lo já em alta madrugada quando o mesmo já tinha perdido muito sangue e pouco tempo depois do socorro, acabou morrendo. Em meio a esse conflito também foram mortos o tenente Raymundo Nonnato Tebas; um homem conhecido por Peba que vinha carregando uma caixa na rua denominada Rua Direita e foi vítima de uma bala perdida dos Marrões; um homem chamado Amaro de Brito, foi morto por uma bala que atravessou a porta da sua casa e o atingiu; daí em diante o ódio e os conflitos só se intensificaram na pequena Villa de Chique-Chique.
No dia 18 de abril, os “Pedras” arrebentaram as portas da cadeia e libertaram dois dos seus protegidos, no dia seguinte, o capitão Santiago, receoso de que mais presos fugissem, resolveu transferir todos os criminosos restantes para a Vila de Remanso.
Os “Pedras” incendiaram casas cobertas de palha, derrubaram paredes, quebraram e arrancaram portas, saquearam casas da vila e nas ilhas de Miradouro e do Guaxinim, furtaram objetos e animais, destruíram plantações e ainda roubaram a farinha dos depósitos, como se não bastasse, roubaram da casa do vigário e até na igreja foi notada a ausência de objetos valiosos.
Após os “Pedras” terem batido em retirada, os Marrões motivados por todo o ódio que restara, arderam em “anarquia”, e a localidade que já não estava em paz teve uma verdadeira crise, em que os crimes tomaram largas proporções, o poder público já não conseguia dar conta do caos e nem mesmo os chefes dos grupos, a partir disso se sucederam diversas outras histórias ligadas a esse grande conflito em nossa querida Xique-Xique.
Fonte Histórica:
Relatório dos Trabalhos do Conselho Interino de Governo (BA). 1878. Arquivo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Link: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=130605&Pesq=Chique%20Chique&pagfis=9274
O pós-independência e as disputas entre famílias em Xique-Xique
Por: David Otavio Rocha da Cruz
Diferente do que se imagina, o processo de independência do Brasil foi bem mais do que “o Dia do Fico” ou do brado de “independência ou morte” proferido por Dom Pedro I “às margens do Ipiranga.” Por trás desses momentos marcantes, houve lutas sangrentas na região do Recôncavo Baiano, com a participação de diversos grupos sociais locais e de pessoas vindas do interior da então província baiana. O propósito de combater as tropas lusitanas que sitiavam a Bahia após os representantes políticos terem reconhecido Dom Pedro I como imperador. As tropas portuguesas visavam tomar o controle da província novamente para a coroa lusitana, sob o comando do governador de armas Tenente Coronel Inácio Luís Madeira de Melo. A luta pela independência da Bahia começou até mesmo antes da independência do Brasil, tendo início em 19 de fevereiro de 1822 e findando em 02 de julho de 1823.
Enquanto a Bahia e o Brasil passavam por esses conflitos, no interior da província, às margens do Rio São Francisco se desenrolava uma história com reflexos da luta pela Independência. Durante a década de 1840, havia dois homens e suas respectivas famílias, ambos eram detentores de grande poder e influência na sociedade daquele período. “Os chefes’’ eram: Militão Plácido de França Antunes, conhecido como ‘‘Comendador Militão’’ e ‘‘Dono do São Francisco”, este e os seus homens seguiam firmemente contra Bernardo José Guerreiro e toda a família Guerreiro, que eram portugueses residentes na cidade de Pilão Arcado/BA. Isso pode até ser visto como reflexo direto das lutas pela independência da Bahia e o forte sentimento antilusitano gerado por esses conflitos, o que originou o movimento mata-maroto. O comendador Militão, teve participação direta nas lutas pela independência, já que, era comum que os grandes fazendeiros mandassem filhos e empregados para se empenhar nas lutas, o que foi o seu caso, enviou tropas para a luta contra os portugueses e posteriormente continuou com o ódio por esses europeus que culminou em diversos outros conflitos no interior da Bahia, conflitos estes que se desenrolavam entre Pilão Arcado, Xique-Xique e Sento Sé[1].
Tais famílias eram notáveis no que diz respeito a controle social e ações violentas, para se ter noção; a família Guerreiro era temida em sua localidade devido a um comportamento extremamente rígido e autoritário. Conta-se, que essa família teria construído uma cruz na porta de uma das suas residências, todas as pessoas que passavam por ali eram obrigadas a dobrar os joelhos em sinal de reverência aos Guerreiros, caso assim não ocorresse, eram aplicadas punições severas a mando de Antônio Guerreiro[2].
Agora, a respeito do Comendador Militão, pode-se afirmar seu controle do comércio no rio São Francisco, a grande quantidade de ”soldados” a sua disposição e seu acesso evidente à armas e munições. Esse homem era temido a ponto de ser capaz de coagir o poder público a modo de que fossem atendidas as suas vontades, mesmo que contrariassem diretamente ordens judiciais, como veremos no decorrer da história.
Um homem chamado Francisco José de Sousa Soares de Andrea, governou a província da Bahia do ano 1844 ao ano 1846, era um Tenente-General de Portugal, que recebera esse título de presidência provincial, porém que aparentemente não tinha uma boa aceitação popular, principalmente no que se refere às ordens dadas em favor da família Guerreiro. Como tudo isso acontecia em um período pós independência, o povo alimentava profundo sentimento antilusitano, o que levava inclusive jornais como ” O Guaycuru” a redigir matérias tecendo verdadeiras críticas ao governador, do tipo;
O presidente Andrea em desejos de ver a Bahia anarquizada, para satisfazer essa paixão de tigre, empregou quantos alvires poder-lhe-ão sugerir as fúrias infernais. O sertão estava tranquilo, estava em paz, o presidente lá mandou planar o guião da guerra civil, fomentou-a, deu-lhe alento e vida, tornou irremediável[3].
Então por Bernardo Guerreiro ser ”patrício, camarada, e conselheiro do Sr.ª Andrea”, o povo tinha uma suspeita em relação às atitudes do governador, sendo essas de certo modo sempre favoráveis ao seu conterrâneo, logo que se desenrolava no período de seu mandato, o maior conflito entre Militão e os Guerreiros, conflito esse que chegou ao interior baiano, passando inclusive pela até então ”Vila de Chique Chique” como destaca o trecho a seguir:
Hoje embarca para cachoeira o major Galvão, comandante da Polícia, o Senhor Capitão Manoel Jeronimo, 3 subalternos mais, e quarenta praças, diz-se que esta força seguirá com toda presteza para o rio de Contas ou Chique Chique, levando todos os destacamentos que contras em sua marcha. São novos combustíveis que a resposta vai deitar no incêndio, que ateou.
Diz-se que chegarão ant’hontem do sertão vários membros da família Guerreiro (filhos desse hino do velho que ahi anda, patrício, e conselheiro, e camarada do Sr.ª Andrea) que afirmam ter deixado tudo a arder em anarquia; que o commendador Militão fora atacado, que se defendera com perda considerável dos que o agredirão. Não garantimos por hora estas notícias; são boatos que correm: A essas ocorrências, porém é atribuída a expedição que hora marcha a toda pressa[4].
Diante do contexto histórico, da série de conflitos entre a família do comendador Militão e a família dos Guerreiros, somado ao suposto envio de tropas por parte do presidente da província o senhor Andrea para ajudar os seus conterrâneos portugueses contra Militão, pode-se concluir que esse embate teria chegado a grandes dimensões, podendo ser considerado como uma guerra civil, envolvendo o sertão baiano, as cidades ribeirinhas e a pequena vila de “Chique-Chique”.
Fonte Histórica:
O Guaycuru, Bahia, 18 de outubro de 1845. Arquivo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. Link: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=709794&pesq=chique%20chique&pasta=ano%20184&hf=memoria.bn.br&pagfis=265
Referências:
FRUTUOSO, Moisés Amado. “Morram marotos!”: antilusitanismo, projetos e identidades políticas em Rio de Contas (1822-1823) / Moisés Amado Frutuoso. – Salvador, 2015.Conflito de Militão e Guerreiro como reflexo do movimento mata maroto. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2015.
LINS, Wilson. O médio São Francisco: uma sociedade de pastores e guerreiros. São Paulo: Nacional/INL/ Fundação Nacional Pró Memória, 1983, p. 43.
“História de Pilão Arcado”. https://www.pilaoarcado.ba.gov.br/detalhe-da-materia/info/historia/6509. Site acessado em 05 de novembro de 2022.
[1] Ver: LINS, Wilson. O médio São Francisco: uma sociedade de pastores e guerreiros. São Paulo: Nacional/INL/ Fundação Nacional Pró Memória, 1983, p. 43.
[2] Ver: https://www.pilaoarcado.ba.gov.br/detalhe-da-materia/info/historia/6509. Site acessado em. 05 de novembro de 2022.
[3] O Guaycuru, Bahia, 18 de Outubro de 1845. Pág. 524. Arquivo Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
[4] Idem.
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